quinta-feira, 5 de abril de 2012

Sobre o Bosque, o Coletivo e outras coisas mais.



O Bosque dos Jequitibas tem cheiro de infância. Cheiro de marmita que meu pai fazia, do sorvete com a irmã no dia de receber cachê e pancaque da payot, que naquela época eu nem sabia que era tão caro. Enquanto conto/canto a história do capoeirista brasileiro ou da menina russa, conto também um pouco da minha história, escondida nas frestas do piso de madeira, nas cortinas rotas e na pintura gasta com a ação do tempo. A primeira vez que me apresentei no Carlito Maia eu tinha 10 anos.
Março de 2012, o Coletivo Onírico realiza sua primeira temporada, meio no susto, após inúmeros emails tentando contatar o poder público para conseguir pauta. Trocaram o prefeito, trocaram o secretário, só não trocaram o teto do pequeno teatrinho (é o mesmo de quando eu tinha 10 anos). A cidade de Campinas vive um momento crítico, todos os teatros estão fechados.
O Coletivo Onírico ocupa o único teatro público em atividade. Estar ali é resistir contra a ação do mundo contemporaneo em que vivemos, onde capitalizados e engendrados num ciclo vicioso de produção e consumo, as ações artisticas não encontram espaços e públicos para acontecerem.
O Cine Windsor que ficava no centro, na General Osório (antes do advento cinemanoshoppingestacionamnetoepipoca) virou cinema pornô (!!!) até que um dia fechou. O Centro Cultural Evolução (berço de tantos
artistas campineiros) também encerrou suas atividades. O Levante Cultura (movimento apartidário pela transformação da política pública cultural de Campinas) protestando contra os roubos efetuados pelo poder público, fez uma grande ação na Praça Correia Lemos, onde deveria estar o Teatro Castro Mendes. Mas, tristemente, a maioria dos que estavam presentes eram artistas e reporteres.
E a população? Bom, o parque da cidade vizinha, onde a garota morreu, reabriu 15 dias depois com uma fila imensa de pessoas enlouquecidas para novas e emocionantes aventuras no país mais divertido do mundo (pelo menos é o que o marketing do parque diz). A garota estuprada ao vivo, em canal aberto no programa de TV, foi assistida por milhões de pessoas, que só se manifestaram na hora de escolher seu mais novo herói milionario, colaborando para que no ano que vem, seja realizado outra edição do reality show mais popular da TV brasileira.
A população não fez nada quando fecharam os teatro e cinemas. Mas fico pensando o que teriam
feito se fechassem os shopings ou os estádios de futebol da cidade. E cada vez mais tenho a impresão que os valores estão distorcidos, e que o rito, o teatro, a arte do encontro que desde os tempos primitivos nortearam o movimento do homem interpretando e entendendo o mundo estão ficando a margem. Na grande sociedade do espetáculo (como bem definiu Debord), o espaço não é publico, é privado, é fabricado, facebookado, holiwodizado, alienado e ado a-ado cada um no seu quadrado.
(Henrique D.)

3 comentários:

  1. Henrique, bastante amplo sua avaliação sobre nossa temporada no bosque , realmente passar um mês ocupando aquele espaço é muito mais do que entreter famílias que por ali passeiam. É resistir fazendo teatro á nossa maneira, sem cabeção de espuma, com coração! sem perder a ternura!!!

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  2. Gosto muito da sua avaliacao, voce nos mostra que apesar das dificuldades ainda existe prazer no nosso fazer, voz para reivindicar, forca pra lutar e mente para recordar. Te admiro intensa e sinceramente!

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  3. hum ... imprecionante , o limiar da força está na cedilha , quando ela acaba vira forca...OOOOO

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